21 junho, 2007

O Vazio Existencial e a Esperança


"O futuro da humanidade está nas mãos daqueles que souberem dar, às gerações de amanhã, razões de viver e de esperar (GS 31).
Introdução
Entre os objectivos dos nossos estudos, para estes dias, foi escolhido pela coordenação, ao lado da consideração geral sobre a Esperança, o seu relacionamento com os temas presentes na Constituição "Gaudium et Spes"do Concílio Vaticano II, tal como foram relembrados na alocução do Santo Padre João Paulo II na primeira reunião do Congresso comemorativo do Trigésimo aniversário daquela mesma Constituição. (cf.L'Osservatore Romano, ed.em português, 18 nov.1995).Nesta alocução o Santo Padre reconhece a não pequena alteração do cenário mundial, entre os anos decorridos da elaboração da GS até os dias de hoje. E pergunta, se após estas mudanças que nem sempre foram para o melhor, algo ainda permanece da perspectiva histórica adoptada pela GS Responde da seguinte maneira:·"Hoje relemos aquelas páginas num cenário mundial decisivamente mudado. Quantas transformações - políticas, sociais, culturais - sobrevieram a partir daquele 7 de Dezembro de 1965 ! Terminou a guerra fria, a ciência e a técnica realizaram progressos inauditos: dos voos no espaço à alunagem, dos transplantes cardíacos à engenharia genética, da cibernética à robotização, das telecomunicações às mais avançadas tecnologias telemáticas. Aos factores de mudança conexos com a urbanização e a industrialização, acrescentou-se o enorme incremento dos mass media, que influenciam cada vez mais a vida quotidiana dos homens, em todos os cantos da terra. Diante de tantos elementos de novidade a respeito da situação dos anos 60, poder-se-ia perguntar quanto permanece da perspectiva histórica adoptada pela GS. Na realidade, se se vai ao âmago dos problemas, permanece na sua incisividade e adquire actualidade até maior o interrogativo fundamental, que na época a Constituição apresentava: as transformações ocorridas na idade contemporânea são todas úteis para o verdadeiro bem da humanidade (GS 6)? Em particular, pode-se ter "uma ordem temporal mais perfeita, mas sem que a acompanhe um progresso espiritual proporcionado"(cf.GS,4)? É portanto legítimo, já no limiar do terceiro Milénio, voltar a reflectir sobre as análises e sobre as indicações oferecidas pela Gaudium et Spes, para verificar o seu valor e colher dela a sabedoria"
Igualmente significativo para nós é também o testemunho de um outro texto, de dez anos atrás, que se encontra na "Relatio finalis"do Sínodo extraordinário dos vinte anos após o Concílio Vaticano II. Ao se referir à missão da Igreja no mundo (D.l) faz explícita referência à Constituição GS, à sua importância e actualidade, mas não deixa também de se referir às muitas mudanças ocorridas no mundo, já naquele espaço de tempo de dez anos:"A Igreja como comunhão é sacramento para a salvação do mundo. Por isso, os poderes na Igreja foram conferidos por Cristo para a salvação do mundo. Neste contexto afirmamos a grande importância e a grande actualidade da Constituição pastoral "Gaudium et Spes". Ao mesmo tempo, porém, advertimos que os sinais do nosso tempo são em parte diversos daqueles do tempo do Concílio, com angústias e ansiedades maiores. Com efeito, aumentam hoje em toda a parte a fome, a opressão, a injustiça e a guerra, as torturas e o terrorismo e outras formas de violência de toda a espécie. Isto obriga a uma reflexão teológica nova e mais profunda, que interprete tais sinais à luz do Evangelho"
E para não deixar de oferecer ao menos alguns elementos para esta nova e mais profunda reflexão teológica, prossegue ainda o mesmo documento:
"Parece-nos que nas dificuldades actuais Deus quer ensinar-nos, de maneira mais profunda, o valor, a importância e a centralidade da Cruz de Jesus Cristo. Por isso, deve-se explicar, à luz do mistério pascal, a relação entre a história humana e a história da salvação. Sem dúvida, a Teologia da Cruz não exclui de modo algum a Teologia da Criação e da Encarnação, mas, como é óbvio, pressupõe-na. Quando nós cristãos falamos da Cruz, não merecemos o apelativo de pessimistas, pois nos baseamos no realismo da esperança cristã".
Compreendemos agora por que motivo o Santo Padre insiste em convidar toda a Igreja a uma nova leitura da Constituição "Gaudium et Spes", justamente agora, trinta anos depois, diante de um quadro de acontecimentos mundiais, pode-se dizer, cada vez mais pessimista.É que a Igreja, continuadora da missão do próprio Jesus Cristo, Filho de Deus e Salvador dos homens, não tendo em si mesma as respostas ou soluções para todos os problemas dos homens, continua, no entanto, sendo capaz de apresentar com verdade, pelos seus ensinamentos evangélicos, mas, ainda mais por sua vida, a mesma mensagem de vida e de esperança que brota da Boa Nova do Evangelho.Se os homens sempre estiveram necessitados desta mensagem de vida e de esperança, talvez, nunca como nos dias de hoje se encontraram tão ameaçados de desconhecerem ou mesmo, de esquecerem qual seja esta única vida verdadeira que anseiam por viver, e qual também a verdadeira esperança, aquela única que poderá liberta-los de tantas falsas esperanças, quer materiais quer espirituais, que através de capciosas ideologias poderão levá-los à escravidão aos poderes deste mundo ou ao desespero que já é a morte.
Segundo as belas palavras do Santo Padre João Paulo II, nenhum outro documento do Vaticano II e até mesmo de todo o magistério da Igreja até hoje, foi tão atento em descobrir, analisar e iluminar com a luz de Deus, os problemas concretos do homem, como a Constituição GS. E, por isso também, nenhum outro foi tão capaz de levar aos homens este realismo de uma esperança que se faz presente no meio das situações e condições mais estremas da vida humana. Diz o Santo Padre na alocução já mencionada (L'Oss.Rom.18.02.96).
"Como jovem bispo de Cracóvia, com efeito, fui membro da subcomissão encarregada de estudar os "sinais dos tempos" e, em Novembro de 1964, fui chamado a fazer parte da subcomissão central, encarregada de prover à redacção do texto. Precisamente o conhecimento íntimo da génesis da Gaudium et Spes consentiu-me apreciar a fundo o seu valor profético e assumir amplamente os seus conteúdos no meu magistério, desde a primeira Encíclica, a Redemptor Hominis. Nela, recolhendo a herança da Constituição conciliar, eu quis reafirmar que a natureza e o destino da humanidade e do mundo não podem ser definitivamente desvendados, senão na luz de Cristo crucificado e ressuscitado.É esta, em suma, a grande mensagem que a Gaudium et Spes enviou "a todos os homens"(GS,2), como anúncio de vida e de esperança. É a mensagem que faz da Constituição pastoral sobe a Igreja no mundo actual - último dos documentos promulgados pelo Concílio Vaticano II, e de todos o mais extenso - de algum modo o ápice do itinerário conciliar. Com este documento os Bispos do mundo inteiro, unidos em torno do Sucessor de Pedro, quiseram manifestar a solidariedade amorosa da Igreja para com os homens e as mulheres deste século, marcado por dois conflitos terríveis e atravessado por uma profunda crise dos valores espirituais e morais, herdados da tradição...Longe de se limitar a considerações históricas e sociológicas, os Padres conciliares enfrentaram amplamente, em visão teológica, os interrogativos fundamentais que desde sempre afligem o coração humano: "Que é o homem? Qual o sentido da dor, do mal, e da morte que, apesar do enorme progresso alcançado, continuam a existir? "(GS,10). É portanto legítimo, já no limiar do terceiro Milénio, voltar a reflectir sobre as análises e sobre as indicações oferecidas ".
Em vista deste insistente convite que nos faz o Santo Padre, pensamos que após a constatação dos muitos males que afligem os homens de hoje, tentando-os com a desesperança, pensamos ser oportuna uma reflexão nossa, para descobrirmos, como pessoas e como membros de uma comunidade monástica, que para nós também se torna urgente redescobrirmos os valores que são como o fundamento da nossa esperança, a esperança da Igreja de todos os tempos. Só assim poderemos, "estar sempre prontos a responder, com doçura e respeito, a todo aquele que perguntar, a razão da vossa esperança"(1Pd 3,15).
Primeira Parte: A base humana da esperança: o sentido da vida
I. A imprescindível busca de significado
O Santo Padre João Paulo II, ao se referir a alguns problemas actuais que afligem a pessoa humana bem como a sociedade, mencionava em primeiro lugar a crise de sentido ou significado da vida humana.O homem não pode deixar de se sentir envolvido na necessária busca de respostas para várias perguntas fundamentais que brotam naturalmente de sua própria razão: qual a nossa origem? Qual a finalidade da vida? Como explicar a presença do mal, do sofrimento e a inevitabilidade da morte? (cf. Alocução n.5 e GS 4, 10, 21, 41). E afirma com clareza a gravidade e intensidade deste problema ao manifestar a sua constância e universalidade: "em todos os tempo e lugares esses interrogativos interpelam o coração humano e impelem-no a buscar uma resposta plena e definitiva"
Hoje em dia, sem dúvida alguma, há milhões de homens que são tentados a perder a própria razão e esperança de viver por estarem privados das condições materiais mínimas de existência, pela fome, pela indigência imposta pelo condições injustas da vida social, pela falta de trabalho, de recursos indispensáveis da educação, da assistência médica e social etc.Mas, diante deste quadro, infelizmente hoje tão frequente, tanto em nações pobres como ricas, não se poderá deixar de reconhecer que ainda mais gravemente pesa sobre a pessoa humana, necessitada não apenas dos bens materiais, o fato de não estar conseguindo encontrar, frequentemente, as razões e o significado da própria existência. Pode-se verificar, e de fato, várias pesquisas têm-no comprovado, que mais angustiante para o homem moderno, especialmente para os jovens, é a crise provocada pela falta de sentido e de significado da vida, o sentimento de vazio, do que a carência ou dificuldades para a consecução de outros bens. O vazio existencial mostrou-se bastante evidente em um levantamento feito entre cem alunos de Harvard, todos eles provenientes de famílias abastadas; uma quarta parte desses alunos duvidava de que suas vidas tivessem algum sentido e as revistas psiquiátricas da Tchecoslováquia informaram que este mesmo fenómeno ocorria em todos os países comunistas [cf. Joseph B. Fabry, A busca do significado. Viktor Frankl - logoterapia e vida. Ed.ECE, São Paulo, 1984, p.53. Citamos alguns textos e recorremos, frequentemente, a esta obra para apresentar e sintetizar o pensamento de V.Frankl.].
Nesta linha de estudo são bem conhecidos hoje os trabalhos do psicanalista de Viena, Victor Frankl e os de sua escola. Para estes, "o homem é fundamentalmente um ser em busca de um significado. Se existe alguma coisa que o possa preservar, mesmo nas mais extremas situações, é a consciência de que a vida tem um sentido, não obstante nem sempre imediato" [cf. Joseph B.Fabry.o.c. p. 35-54.].Pode-se dizer por isto que a existência humana depende da auto transcendência, a sobrevivência depende de um sentido. E não apenas a sobrevivência dos indivíduos, mas a própria sobrevivência da humanidade.A profunda experiência de V.Frankl no campo de concentração de Auschwitz levou-o a ter como certo que cada pessoa é um ser único que pode reter uma última reserva de liberdade para tomar uma posição, ao menos, interior, mesmo sob as mais adversas circunstâncias. Nesta profunda dimensão do seu eu, nós sabemos que "não apenas somos, mas a cada momento devemos decidir o que seremos". "Quando somos despojados de tudo o que temos - família, amigos, influência, status e bens - ninguém nos pode tirar a liberdade de tomar a decisão do que nos devemos tornar, porque esta liberdade não é algo que possuímos, mas algo que somos. Por isso mesmo todo homem tem o poder e a liberdade de elevar-se acima do seu próprio eu e tornar-se um ser humano melhor.
É fundamental também para V.Frankl a certeza de ser a básica motivação para viver, não a busca de satisfações, poder ou riquezas materiais, mas o encontro de um significado. Aqueles podem apenas contribuir para o nosso bem estar, mas são simplesmente meios utilizados para atingir um fim, quando usados de forma significativa.
Será esta concepção sobre nós mesmos e sobre o lugar que ocupamos na vida que nos poderá ajudar a dar-lhe sentido, não obstante as tragédias pelas quais devamos passar. Essa concepção antropológica exige pois que estejamos convictos de que, além de nossas dimensões físicas e psicológicas, possuímos uma dimensão espiritual ou no ética, especificamente humana (espiritual, não no sentido religioso, mas no de vida mental ou intelectual que supõe um princípio de acção transcendente à materialidade do ser). O homem, na sua integralidade, compreende as três dimensões, mas é a dimensão propriamente humana que permitirá à pessoa transcender a si mesma e fazer dos significados e valores uma parte fundamental da sua existência. Neste sentido, cada pessoa é um ser único, vivendo através de infinitos momentos únicos e insubstituíveis, cada um deles oferecendo um significado em potencial (isto é, aberto também para o futuro). Se reconhecermos este potencial e formos capazes de corresponder a eles, nossa vida terá um sentido e a conduziremos de forma responsável.Para V.Frankl, unicamente quando nos elevamos à dimensão do espírito (mente) tornamo-nos um ser completo. A dimensão humana é a dimensão da liberdade: não a liberdade proveniente das condições, quer sejam elas biológicas, psicológicas ou sociológicas; nem a liberdade de alguma coisa, mas liberdade para alguma coisa, a liberdade de tomar uma atitude concernente às condições. E somente nos tornaremos seres humanos completos quando atingimos esta dimensão de liberdade. Somos prisioneiros da dimensão do corpo; somos conduzidos pela dimensão psíquico-afectiva, mas na dimensão do espírito somos livres. Nós não apenas existimos, mas podemos exercer influência sobre a nossa existência. Podemos não só decidir sobre que espécie de pessoas somos, mas que espécie de pessoa poderemos vir a ser. Dentro da dimensão na ética somos nós que fazemos a escolha.
Ignorar a dimensão espiritual é reducionismo, e aí está a origem do nosso mal-estar, da sensação de vazio e de que a vida está desprovida de significado. O perigo de semelhante reducionismo nunca foi tão grande como agora. Frankl não nega que as forças biológicas, sociais e psicológicas exerçam grande influência sobre nós; mas, como declarou, "o homem é determinado, porém jamais indeterminado". Sob as mais restritas circunstâncias, possuímos uma área na qual podemos determinar nossas acções, nossas experiências, ou no mínimo nossas atitudes, e esta liberdade de autodeterminação repousa em nosso domínio no ético.A liberdade oferece ao homem a oportunidade de mudar, de renunciar ao seu eu e inclusive de enfrentá-lo. Desta constatação pode-se tirar uma importante conclusão, de extensas consequências práticas que poderia ser formulada da seguinte maneira: "é fundamental admitir que, sob circunstâncias normais, o homem tem condições de resolver, por si mesmo, seus problemas de consciência e conflitos de valores e que a função da logoterapia consistirá simplesmente em ajudar o paciente a enxergá-los, reconhecendo não ser ele uma vítima indefesa da sua educação, do seu meio e dos seus impulsos interiores, mas que é capaz de resistir às suas influências como qualquer pessoa sadia o faz.Entretanto, deve-se reconhecer também ser possível, em casos concretos, que os conflitos de valores ou a "frustração existencial"possam subjugar o indivíduo e conduzi-lo até à neurose".
II. Qual o Sentido da Vida?
Antes de se reflectir sobre o próprio sentido da vida, parece ser oportuno enunciar três princípios que podem ser postos à prova e que são fundamentais para o esclarecimento do sentido.1. Sob quaisquer condições a vida tem um sentido.2. Temos o "anseio por um sentido"e tornamo-nos felizes somente quando sentimos que estamos realizando este sentido.3. Temos a liberdade, dentro de certas limitações óbvias, de realizar o sentido de nossas vidas.
O problema do sentido da vida, quer se apresente expressamente ou não, cumpre defini-lo como um problema caracteristicamente humano. Só ao homem, como tal, é dado – a ele exclusivamente – ter a vivência da sua existência como algo problemático; só ele é capaz de experimentar a problematicidade do seu ser.
A procura de sentido para o homem é uma força primária na sua vida e não uma "racionalização secundária" de tendências instintivas. Este sentido é único e específico nisto que deve e pode ser realizado por ele somente; somente então encontrará ele um significado que irá satisfazer a sua própria vontade de sentido. Para alguns autores, sentidos e valores nada mais são do que "mecanismos de defesa, reacções formativas e sublimações". Mas, de modo nenhum alguém estaria disposto a morrer por causa do seu "mecanismo de defesa" ou por suas "reactions formations". O homem, no entanto, é capaz de viver e até mesmo de morrer por causa de seus ideais e valores!Uma pesquisa de opinião pública foi efectuada, há alguns anos, na França. O resultado mostrou que 89% das pessoas consultadas admitiram que o homem necessita de "algo" pelo qual possa viver. Aproximadamente 61% admitiram que havia algo ou alguém, em suas vidas, por quem estariam dispostos a dar a vida. Frankl repetiu esta pesquisa em sua clínica em Viena, e o resultado foi praticamente o mesmo, com uma diferença de apenas 2%. Em outras palavras, a vontade por um sentido, na maioria das pessoas, é um fato e não apenas suposição.A Logoterapia é uma terapia existencial baseada em experiências reais. Ajuda-nos a observar a nós mesmos através de outra perspectiva, a conhecer tanto nossas limitações como nossos potenciais, nossos erros e visões, a perceber como encaramos as nossas experiências totais, como nos relacionamos com os demais, de que forma superamos nossos desapontamentos, como realizamos nossas aspirações e cumprimos nossas tarefas.·Esta percepção é baseada no conhecimento intuitivo de que a vida tem sentido, por mais obscuro que em certas ocasiões isto possa parecer. Cada um de nós é motivado por aquilo que Frankl chama "o anseio por um sentido". Ainda que esteja reprimido dentro de certos limites, somos livres para descobrir o significado de nossa própria existência. A fé no sentido, o anseio de sentido do homem e sua liberdade para encontrá-lo, são os princípios fundamentais da logoterapia. A maioria das pessoas não precisa ser persuadida de que o sentido existe e de que anseiam por ele. Somente é necessário torná-las conscientes do que, nas profundezas de seu inconsciente, sabem ser verdade.
A logoterapia abre as portas, mas cabe a nós escolher a porta pela qual desejamos passar em nossa busca. O ignorado e reprimido anseio por um sentido pode ser a causa da sensação de vazio, mas longe de constituir-se no sintoma de uma doença, é antes de tudo, uma prova de sua humanidade: unicamente o ser humano busca sentido, duvida e se sente frustrado quando não pode encontrá-lo. Resignar-se ao vazio e à frustração apenas irá agravar esses estados. A logoterapia vê o sentido em dois níveis.·Primeiro, como sentido último da existência, uma ordem universal onde cada um de nós tem um lugar. Esta ordem pode ser percebida tanto do ponto de vista religioso como secular, dependendo de nossa visão do mundo. A busca de sentido suscita a pergunta: "Que lugar ocupo na totalidade da existência? " Mas a busca de sentido é também a busca da própria identidade, de um propósito, um destino, uma missão e, por isso mesmo, propõe as seguintes perguntas complementares: "Quem sou eu? "Quais os meus objectivos?" "Para onde estou indo? ""O que devo fazer? "A existência do sentido último é algo que não se pode provar, excepto na experiência de vida que não se repete. Uma pessoa pode viver como se existissem o sentido, a ordem, o propósito, o destino e a missão, ou pode viver como se tudo fosse arbitrário e ver quais as alternativas mais satisfatórias. Mas o sentido da existência tampouco se pode demonstrar em virtude de um esforço constante em alcançá-lo e retê-lo, o que seria tão impossível como alcançar e reter o horizonte. A prova reside na satisfação que acompanha a busca. Este sentido de vida é também chamado supra-sentido.
A convicção de que existe algo superior à existência humana foi expressa de diversas formas, desde a observação de Nietzsche de que o homem deve superar-se à si mesmo e esforçar-se para chegar ao super-homem, até à insistência de Tillich e Barth de que o homem não é a base do seu ser.Frankl convenceu-se, através de suas experiências clínicas, de que a existência humana está sempre direccionada para um sentido, não importa quão diminuta seja sua consciência deste sentido. Em um de seus ensaios Frankl escreveu: "Existe algo como o pressentimento de um significado, e esta preconização é também o fundamento do que a logoterapia chama de "anseio por um sentido". Quer desejemos ou não, acreditamos neste sentido enquanto houver um sopro de ar dentro de nós. As observações de Frankl foram comprovadas por Elisabeth Kübler-Ross de que os agnósticos, em seu leito de morte, manifestaram uma serenidade e tranquilidade estranha que não se podia explicar em função de suas crenças agnósticas, mas se podia atribuir à sua confiança em um sentido maior - uma confiança que ultrapassava o marco da racionalização de seu ateísmo [cf.o.c.p.59].
Qualquer tentativa para se infundir uma força interior, em alguém que perde a esperança, deverá anteriormente conseguir que ele aceite algum futuro objectivo. Apropriada é a sentença de Nietzsche que dizia: "Aquele que possui um "porque" pelo qual viver, poderá suportar qualquer "como" deve viver". Que conselho se poderia dar a um homem desesperado que, a toda tentativa de encorajamento responde simplesmente: "eu nada mais tenho para esperar algo da vida"? O que se torna necessário é uma fundamental mudança em nossa atitude em relação à vida. Deveremos aprender, primeiramente nós mesmos, para que possamos ensinar aos desesperados que "realmente não importa tanto o que nós esperemos da vida, mas sim, o que a vida mesma espera de nós"! Devemos parar de nos perguntar continuamente: "qual o significado da vida?" – e em lugar disto começarmos realmente a pensar que "somos pessoas a quem a vida interroga contínua e incessantemente" [cf. com muita semelhança diz também Abraham J.Heschel: "A Bíblia é uma resposta à pergunta: "o que Deus espera do homem? Mas, para o homem moderno, esta pergunta foi anulada por uma outra: "O que o homem exige de Deus"? O homem continua a se perguntar: "o que poderei conseguir da minha vida? Mas, o que escapa à sua atenção é a pergunta fundamental, no entanto, tão esquecida: O que a vida conseguirá de mim? Absorvidos na luta pela emancipação do indivíduo, concentramos nossa atenção na idéia dos direitos humanos, mas nos esquecemos de considerar a importância das obrigações do homem". The insecurity of freedom,Schocken Books, New York 1972, p.4; cf.Who is Man? Stanford University Press, Stadford, 1965, p.70. 109-110,etc.].A nossa resposta não deverá consistir em palavras e reflexões, mas em correcta acção e correcta conduta. Viver significa assumir responsabilidades em encontrar a resposta certa para os seus problemas e realizar as tarefas que constantemente nos são pedidas. Tais tarefas e, portanto, o significado da vida de cada indivíduo será diferente de um para o outro e de momento a momento. Torna-se assim impossível definir o sentido da vida, de uma maneira geral.
O segundo nível, o sentido do momento, é o reconhecimento de que existem sentidos que podem e necessariamente devem ser descobertos, se se deseja preencher o vazio existencial. Assim como é impossível para nós descobrir a verdade em si, e somente somos capazes de descobrir uma multiplicidade de conceitos verdadeiros, também não podemos descobrir o sentido, senão somente uma multiplicidade de experiências significativas.A logoterapia postula uma concepção audaz: cada pessoa é um indivíduo único e singular que atravessa uma série de situações, únicas, que oferecem em cada caso um sentido específico potencial que deve ser reconhecido e realizado. Responder à oferta de sentido que cada um destes momentos nos apresenta é levar uma vida expressiva. Frankl previne que não podemos inventar significados arbitrariamente; podemos apenas descobrir o sentido inerente a cada situação. Frequentemente vemo-nos obrigados a basear nossas decisões numa informação insuficiente, e não poderemos esperar conhecer todos os fatos que configuram uma situação. Deveremos confiar não só no nosso conhecimento consciente e em nossa intuição inconsciente, mas também na voz de nossa consciência, por mais frágil e falível que esta possa ser. Assim como a vida de cada pessoa é inteiramente diferente da vida de outra pessoa, assim também, nossas tarefas, nossos objectivos são inteiramente pessoais. Nenhuma situação se repete e pode-se dizer que cada situação nos pede uma resposta única e diferente de qualquer outra [cf.B. Fabri, o.c.p.17]. Sentido e Valor "Se os homens nem sempre podem conseguir que a história tenha sentido, sempre podem atuar de tal forma que suas próprias vida o tenham" (Albert Camus). A palavra sentida refere-se "àquilo que é significativo" para o indivíduo em cada situação particular da sua vida. O sentido é único e pessoal, como também a busca de sentido. Porém as situações humanas se repetem, e um grande número de indivíduos responde a elas da mesma maneira. Em muitas das situações típicas da vida, portanto, os sentidos únicos válidos por um longo período de tempo para muitos indivíduos foram suficientemente similares para que se criassem sentidos universais. De acordo com a definição de Frankl, são estes sentidos universais que conhecemos com o nome de "valores" [cf. id. o.c.p. 79. Note-se porém que a definição de "valor"dada por Frankl, é apenas descritiva, na medida em que se refere ao comportamento de muitas pessoas em relação a determinado sentido, no decurso de longo período de tempo. Em um aspecto mais objectivo, pode-se dizer que "valor" designa um determinado "bem", isto é um determinado objecto da nossa vontade, capaz de garantir (justificar) a rectidão moral da nossa acção, sempre que orientada para a sua busca]. Pode acontecer que o sentido único de uma situação não tenha sido captado a tempo e perdeu-se irrevogavelmente. No entanto, em cada caso este sentido poderia ter sido descoberto com a ajuda de alguns dos valores.
Compreende-se a grande importância prática desta doutrina, fonte de verdadeiras e eficientes técnicas terapêuticas, para todos os que exercem funções relacionadas com a educação, aconselhamento espiritual, terapia médica ou psicológica.

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