21 junho, 2007

O Significado da maçã como reflexo das tendências humanas


O que é que este título nos pode sugerir à primeira vista? Nada, absolutamente nada. Parece apenas uma simples parvoíce, algo completamente desprovido de nexo. Afinal, o que é que um simples fruto como a maçã pode ter a ver com as tendências que caracterizam a humanidade? Proponho-me mostrar que, embora parecendo um tema à partida sem interesse, a maçã pode de facto ser perspectivada como o reflexo das posições que o ser humano foi adoptando face à vida. Esta longa história começa no Antigo Testamento, mais propriamente no Livro do Génesis, aquando do aparecimento de Adão e Eva no jardim do Éden. De facto, segundo a tradição, o fruto da árvore da sabedoria, comido pelos nossos pais sem autorização de Deus, por indução da serpente, e que levou à expulsão de ambos do Paraíso, era uma maçã. A maçã representava, neste caso, a ânsia de sabedoria, ou melhor, a ambição de querer saber mais e mais, de modo a poder igualar-se a Deus. A ambição, a ganância e a vontade de ser superior prevaleceu e verifica-se ainda hoje, atingindo níveis imperdoáveis de egoísmo e de individualismo. Em suma, pode interpretar-se esta passagem bíblica como a necessidade de temperar com a humildade a legítima ambição de saber.
Avançando na História, é de referir a maçã de William Tell, o lutador da liberdade. Neste caso, o fruto simboliza o imperativo da conquista da liberdade e, ao mesmo tempo, a tragédia de falhar. Este contraste tem marcado a marcha da humanidade e um dos maiores medos do homem é, indubitavelmente, o de errar. Treme só de pensar que as coisas podem não acontecer do modo como ele as projectou; daí que o existencialista Kierkegaard defenda que o que caracteriza a existência humana é a angústia e o desespero: o homem tem de optar, mas diante das imensas possibilidades tanto de acertar como de errar não sabe por onde decidir-se. O homem é, na maior parte das vezes, obcecado pela perfeição, pela acção imaculada, sem rasuras, sem repreensões. Este rigor pode ser entendido, tal como o desejo de superioridade, já referido, como um modo de afirmação do homem perante a sociedade em que está inserido, sendo até imposto, cada vez mais, por ela própria, correndo, o homem, em alguns casos, o risco de ser posto de lado se não corresponder ao protótipo de perfeição proposto. A liberdade e a perfeição são as grandes aspirações humanas que, porque grandes, comportam riscos. Will Tell sentiu isso mesmo quando para conquistar a vida e a liberdade teve de apontar a flecha à maçã colocada na cabeça do seu filho.
Nesta história, não podia ainda deixar de falar de Newton que ao formular a lei da gravidade, supostamente devido à queda de uma maçã, quando se encontrava a observar a Lua, contribuiu largamente para a construção da ciência experimental. A curiosidade e a necessidade de pesquisa reveladas por Newton são também tendências do homem em ordem a compreender o que o rodeia, encontrar o equilíbrio e vencer os seus medos mais profundos do desconhecido. A ciência, como a filosofia ou o mito, é uma forma de o homem fazer frente ao medo do que não compreende: ao explicar as coisas, julga controlá-las e colocá-las a seu favor, encontrando, deste modo, segurança na insegurança.
Finalmente, a maçã está também presente em Charles Fourier, filósofo francês do socialismo utópico. Este pensador, que formulou uma das filosofias mais criativas do século XIX, foi um acérrimo crítico das desigualdades sociais e teve sempre como meta a busca da harmonia na justiça. Vivendo no mundo do comércio e apercebendo-se das suas mentiras, jurou-lhe ódio eterno. Terá sido a grande diferença de preços da maçã, em regiões de França com condições climatérica idênticas, que o levou a desconfiar de uma desordem fundamental no mecanismo industrial e a buscar uma nova teoria societária. A maçã surge aqui como o símbolo da procura da justiça e da igualdade entre os seres humanos.
Em conclusão, a procura do saber, a ânsia de liberdade, a necessidade de explicar e compreender e o desejo de uma justiça em harmonia são os grandes sonhos da humanidade. Paradoxalmente, ou talvez não, continuam a imperar a arrogância, a prepotência, o poder da força bruta, no fundo frutos de medos e de inseguranças nunca devidamente assumidos. E a maçã, esse fruto suculento e saboroso mas ao mesmo tempo ácido e frágil, esteve sempre presente em momentos fundamentais da procura e da ruptura dos grandes sonhos.
Lina Aires

1 comentário:

Anónimo disse...

Na verdade, na Bíblia a palavra "Maçã" não aparece nenhuma vez, é usada apenas a palavra "fruto".
Os homens decidiram que seria a maçã, mas em algumas civilizações chamam esse fruto de "figo" o que seria até mais natural já que Adão e Eva se cobriram de folhas de figueiras após comer do tal fruto.