27 junho, 2007

«As crianças, as instituições e a esperança»


Crianças, instituições e esperança. Por estas três palavras perpassa o imperativo ético da concretização de direitos e da assunção de responsabilidades. Nestas três palavras, pela presença ou pela ausência, é do respeito pela vida que tratamos e da família que esperamos o magistério primeiro da realização da esperança.
«Não há tarefa mais importante que a de construir um mundo no qual as nossas crianças possam crescer para realizar todo o seu potencial em saúde, paz e dignidade», disse Kofi Annan, secretário-geral das Nações Unidas.
A criança é, mesmo que sem voz, a voz da nossa esperança. Importa, por isso, dar a cada criança o direito de viver em autenticidade, integralidade e sem hiatos bruscos a sua própria infância.
Toda a intervenção neste domínio deve ter por referência a Família como núcleo fundamental da Sociedade. A ética da responsabilidade do cuidar reside, em primeiro lugar, na família. A actuação do Estado na tutela dos direitos da criança deve assentar no princípio da co-responsabilização, atribuindo prevalência às medidas que integrem as crianças e os jovens no seio familiar e procurando intervenções não abusivamente intrusivas na família.
O Estado não tem vocação afectiva e inteligência emocional, nem pode ser entendido como possuindo um dom de omnisciência social. É necessário termos sempre presente que as respostas neste domínio têm que se pautar por um grande equilíbrio e sensatez.
A intervenção deve assentar nos princípios da solidariedade, da subsidiariedade e da proporcionalidade, procurando permanentemente uma resposta preventiva e dignificadora através da inserção educativa e social.
Uma intervenção transversal e interdisciplinar, actuando coordenadamente, facilitando o contacto entre as organizações públicas e privadas, de modo a que se conjuguem todos os esforços na defesa intransigente da protecção dos direitos das crianças e jovens em risco.
Ao mesmo tempo, não nos poderemos deixar guiar obsessivamente por uma visão - hoje muito em voga - de reduzir os grupos sociais, etários ou familiares a arquétipos traduzidos, como tal, em prismas e decisões frias, intermediadas e distantes.
Por que não há a criança. Há crianças. Por que não há a família. Há famílias. Por que não há a instituição. Há instituições. Bem sei que a norma é, por definição, abstracta. Mas, neste sensível domínio, as pessoas – e, em particular, as crianças - são bem concretas, com o seu perfil, a sua história, as suas vulnerabilidades, os seus anseios e desafios. A expressão da diferença é, aqui, um elemento indispensável, seja na formulação de uma política de rosto humano, seja nas acções concretas a empreender.
É indispensável intervir de forma humanizada e individualizada, olhar para cada criança e jovem em risco com a certeza de que cada um tem direito a uma família natural ou adoptiva e a um projecto de realização que respeite a sua identidade e personalidade.
Sabemos que ainda temos muito a percorrer para fortalecer a esperança dos futuros adultos.
A nova lei da adopção é um passo positivo num caminho certo, mas longo.
Não nos podemos conformar com um tão elevado número de crianças acolhidas em lares ou em estruturas temporárias de acolhimento, hoje cerca de 10000, das quais, significativamente, mais de 60% com suporte familiar regular e só 3% com projecto de adopção.
Estes simples números evidenciam – como muitos outros - que se torna inadiável clarificar conceitos, práticas e soluções que erradiquem, de vez, a ideia de “posta restante social” onde sempre se corre o risco de uniformizar o que exige diferenciação, de massificar o que supõe proximidade e personalização, onde um director ou responsável possa ser o tutor de dezenas ou de centenas de crianças.
Foi nesta perspectiva que assumi a prioridade da avaliação das situações de crianças institucionalizadas. A institucionalização não se limita a uma decisão inicial, exigindo, acima de tudo, acompanhamento e avaliação permanente dessa solução de acolhimento. Actuando sobre a criança, mas também e simultaneamente sobre a família numa realidade de vida que é dinâmica e mutável.
E é clara a necessidade de agir com rapidez. Um dia na vida destas crianças pode ser menos uma oportunidade, menos uma certeza, menos felicidade e certamente menos esperança.
Ao mesmo tempo, temos que ser imaginativos e sensíveis na busca de novas opções que se possam colocar para além do acolhimento institucional, designadamente através de famílias de acolhimento temporário, de emergência, etc.
Em suma: se tivéssemos de conjugar num único e comum ponto todas estas preocupações talvez nos bastasse dizer que a vida das pessoas e das organizações sempre tem que passar por uma métrica de senso comum: a de ter em tudo medida e de nada ser medido por demasiado.
Outro aspecto que tem a ver com a inevitável reforma das instituições de acolhimento – públicas ou não - é o equilíbrio sensato entre quantidade material e qualidade humana.
Não basta que as instituições cresçam para se desenvolverem. Ter instituições maiores não significa ter instituições necessariamente melhores. E sobretudo não se pode, deliberadamente ou por pura inércia, deixar germinar a massificação, a despersonalização, com a consequente diminuição do sentimento de pertença.
E não poderemos transformar a ultima das soluções (a institucionalização) na mais fácil ou expedita para sossego da indiferença, nem subverter a ideia primeira da prevenção, o que exige uma sintonia plena entre os direitos e os deveres. Em primeiro lugar, em nome da liberdade com responsabilidade. Em segundo lugar, o benefício da tolerância na convivência.
Bem sei que os direitos são mais aclamados, mas os deveres são mais estimados. Os direitos dividem-se na partilha dos seus frutos, mas os deveres multiplicam-se no carácter das nossas atitudes. Os direitos convivem melhor com a norma, mas os deveres enraízam-se mais na consciência. Os direitos alimentam-se mais da informação, os deveres precisam sobretudo da formação. Em suma: o maior alimento do direito é o dever.
Educar os cidadãos do próximo futuro na base de um “compacto” de direitos, não se lhes incutindo o património dos deveres, não será nunca a via mais adequada para esse desiderato.
Decorridos já mais de três anos sobre a entrada em vigor da lei (de Set. 1999) de promoção e protecção das crianças e jovens em perigo, mostra-se aconselhável avaliar se o sistema de protecção então introduzido melhorou a situação dos seus destinatários.
Sem prejuízo de uma avaliação continuada e também ciente do valor da estabilidade da lei e da bondade social que esteve seguramente na génese do actual sistema, há que fazer ajustamentos com a consciência de que nesta matéria não existem sistemas perfeitos, nem soluções definitivas.
Não se quer mudar a lei só por mudar. Nem sequer legislar à pressa sem atender criteriosamente a todos os factores envolventes e escutando os diferentes pontos de vista de questões que não têm uma resolução cientificamente unívoca.
Mas, de facto, verifica-se que não se terá tido suficientemente em conta a natureza e a gravidade de algumas acções ou omissões praticadas contra a criança e que deverão merecer um tratamento diferente. Estão neste caso as acções que colocam em sério risco a vida e a integridade física ou psíquica da criança, designadamente aquelas acções ou omissões que envolvem um grau elevado de premeditação e que merecem particular censura na ordem jurídica, v.g. os crimes de natureza pública, os maus tratos e o abuso sexual e ainda o abandono de recém-nascido.
As Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJR) deverão concentrar todas as suas energias e competências na vocação fundacional para a prevenção e a aplicação de medidas que visem a promoção da vida familiar. As Comissões de Protecção, cuja composição interdisciplinar e interinstitucional permite o envolvimento da comunidade na protecção das crianças e favorece a proximidade com as famílias, deverão levar a cabo todas as medidas adequadas no sentido de promover o consenso, preservar a relação familiar e promover programas de educação parental.
Parece prudente, porém, que o limite da sua intervenção possa vir a ser a prática de crimes de natureza pública e/ou situações que reclamem o afastamento da criança do agressor ou agente do abandono.
Ou seja, quando a criança é vítima de um crime grave, praticado dentro da sua própria família ou é vítima de abandono nos primeiros meses de vida, toda a intervenção, visando a sua protecção, não deve ficar dependente apenas do consentimento dos pais, já que é hoje sabido que tais acções são praticadas, na sua maioria, justamente pelos detentores do poder paternal.
O procedimento actualmente consentido pela Lei da Promoção e Protecção nestas situações tende a uma menor responsabilização dos pais maltratantes e inviabiliza a acção de inibição do exercício do poder paternal em casos que, pela gravidade dos actos perpetrados conta a criança, a justificariam.
As CPCJs devem investir mais nas medidas destinadas a evitar que as crianças tenham de sair do seio da família por dificuldades no exercício da função parental, impedindo a institucionalização onde ainda é possível fortalecer os laços familiares, deixando para os órgãos de soberania – Tribunais - aquilo que se traduz já na ofensa a direitos fundamentais, indiciadora de uma ruptura relacional e que pode conduzir à retirada da criança para a sua necessária protecção.
Aliás, se cabe sempre aos Tribunais decidir, através de regulação do exercício do poder paternal, quando há desacordo dos pais, em caso de separação, não faz sentido deixar a apreciação das medidas de protecção adequadas, na sequência da prática de crimes, para entidades que indubitavelmente estão vocacionadas para outro tipo de intervenção, designadamente de sentido preventivo.
Nem se vê como ultrapassar o comando constitucional que impõe a intervenção judicial, nos casos que, pela sua natureza, a exigem.
O art.º 36º n.º 6 da CRP, ao estatuir que “os filhos não podem ser separados dos pais, a não ser que estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles, e sempre mediante decisão judicial” prevê um regime excepcional de reserva judiciária.
Não pode ser admissível que num caso, por exemplo, de abuso sexual perpetrado pelo progenitor, uma CPCJR chame o agressor para lhe pedir o seu consentimento para agir.
Hoje há a consciência social de que a criança é um ser autónomo, titular de direitos, como consagra a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança ratificada por Portugal em 1990.
Também algum tempo decorrido após a aprovação da Lei Tutelar Educativa vêm-se prosseguindo a uma avaliação dos aspectos mais controversos da sua aplicação, em particular os que se referem às fronteiras departamentais de intervenção e ao papel que cabe às instituições sociais e judiciais. Preocupa-nos, sobremaneira, a consequência do actual normativo de nas mesmas instituições da Segurança Social poderem estar internados crianças ou adolescentes vítimas de abandono ou maus tratos e adolescentes agentes de factos ilícitos, sendo certo que nem sempre o pessoal destas instituições está preparado para lidar com adolescentes que iniciaram um percurso de delinquência, nem estes beneficiam de um sistema suficientemente adequado que contribua para a sua recuperação, constituindo, não raro, um mau exemplo para os jovens internados por outros motivos.
São assuntos em que muito o Ministério está beneficiando e vai continuar a beneficiar da experiência, sensibilidade e saber da Senhora Procuradora Dra. Dulce Rocha, do senhor Juiz Conselheiro Dr. Armando Leandro e sua equipa, da Senhora Dra. Catalina Pestana e seus colaboradores directos, do Dr. Luís Vilasboas e da equipa Interministerial da Adopção, do trabalho profundo e produtor de esperança do Conselho Técnico-Científico da CPL, da equipa de apoio psico-social da CPL entre outros. Aqui reitero os agradecimentos pelo empolgante e decisivo desafio que aceitaram.
Para concluir e neste momento, não posso deixar de pensar na Casa Pia e nos sonhos feitos e desfeitos de muitas crianças tornadas homens e mulheres pelo sofrimento. Na espera da justiça e no desespero do silêncio. Bem sei que o silêncio das vítimas não é comercial, não é televisionado, seria ridículo na rádio, não enche páginas de jornais, não se associa ao fascínio fugaz. Mas o seu silêncio incomoda porque interpela e perturba porque brota da alma.
Pensando nelas, resumo a importância do triângulo da esperança: prever, prevenir e reparar.
Prever é uma atitude de inteligência. Prevenir é um acto de discernimento. Reparar é um acto de justiça e de lucidez.
É com esta tripla exigência que devemos estar política, cívica e eticamente comprometidos. Certamente com imperfeições e erros, mas com a profunda convicção e o inabalável estímulo de que nos podemos unir em nome da mais nobre causa que podemos servir (repito: servir): o respeito pelo outro e a dignificação da vida. Neste caso das crianças.
É com a mesma ideia da esperança enquanto expressão do sonho acordado, que termino. Permitam-me que cite, por isso, Jean Guitton: “O recém-nascido é esperança. A criança começa a vida por um sorriso para a sua mãe. Um sorriso de esperança. Depois é a esperança da juventude, o impulso para o futuro. Mas quando este impulso cessa e a esperança falha, então o presente recai na melancolia. A esperança é a maior e a mais difícil vitória que uma pessoa pode ter sobre a sua alma”. Seja a alma de uma criança, de um pai ou mãe, de um ou uma responsável, de um ministro.


21 junho, 2007

A ESPERANÇA DE UMA CRIANÇA...




Está a saber tão bem o meu soninho...
Confio em ti Pai do Céu, porque sei que velas por mim...
estou a dormir tão sossegadinho, mas mesmo assim quero lembrar-Te as crianças que não dormem assim como eu...
Pai do Céu, na Terra há tantas crianças que passam fome e são espancadas todos os dias... não dá para fazer alguma coisa por elas...
Pai, eu sou pequenino, nem quero imaginar como ia doer aquelas pancadas todas no meu corpinho que é tão pequeno, eu até acredito que não ia resistir a tanto mal...
Pai do Céu, quando a minha mãe está a ver Televisão, eu espreito e fico tão triste, porque é que os homens grandes, que se chamam adultos, querem que a televisão mostre aquelas imagens tão violentas, não dava para mostrar coisas mais bonitas, por exemplo eu a dormir... até sou bonitinho... não sou Pai do céu...
Eu também te queria perguntar, porque é que os meninos não são todos iguais?... Porque continuas a deixar que as pessoas grandes matem os meninos de fome... eu acho que não está bem... e Tu?...
Dizem que és muito poderoso, não dava para dar um jeito, eles também têm filhos e netinhos e eu acho que eles não fazem mal aos filhinhos deles... porque fazem mal aos outros meninos...
Eu tenho medo de ratos, porque o meu pai ontem estava a contar á minha mãe que um menino tinha sido ferrado por um rato... eu não sei bem o que é, mas tenho medo...
É verdade... tu que estás lá em cima, não dava para ver onde está aquela menina que ainda não apareceu... eu ouço falar muito dela, mas ninguém a encontra ... o mundo deve ser muito grande para ela se perder ... Eu cá para mim o pai dela deve saber onde ela está. O meu sabe sempre...
Se Tu lá cima espreitasses bem, podias encontrá-la...
Não te apetece pregar uma partida... já que Tu podes tudo, amanhã fazias assim... de noite trocavas as casas dos maus pelas casas dos bons e quando eles acordassem iam ver como deve ser mau viver assim... podia ser que eles passassem a fazer coisas boas... experimenta...
eu agora durmo muito... ontem sonhei contigo Pai do Céu ... Tu fazias para mim bolinhas de nuvem, eu vim contigo ver a minha mãe e o meu Pai... Eles estavam cansados...
o meu Pai trabalha muito mas tem pouco dinheiro... ele não entende porquê ... tenho tanto medo que ele perca a esperança.. eu não sei quem é mas deve ser importante, porque a minha mãe está sempre a dizer para ele não perder a esperança...
Pai do Céu, não deixes que façam mal aos pequeninos... dói tanto Pai do Céu...
Se não conseguires que os homens sejam bons...
Olha, põe-os a dormir que assim não fazem asneiras...

LINA AIRES

A Rosa Amarela


Certa vez um homem plantou uma roseira e passou a regá-la constantemente.
Ele observou e viu um botão de rosa que em breve desabrocharia.
Notou também espinhos sobre o talo e pensou:
"Como pode uma flor tão bela vir na ponta de um talo rodeado de espinhos tão afiados??.
Entristecido por este pensamento, o homem recusou-se a regar a roseira e antes mesmo de estar pronta para desabrochar, a rosa morreu.
Assim se dá com muitas pessoas.
Dentro de cada uma delas existe uma rosa:
São as qualidades.
Dentro de cada uma existem também os espinhos:
São os defeitos.
Muitos de nós olhamos para nós mesmos e vemos apenas os espinhos, os defeitos.
Nós nos desesperamos, achando que nada de bom pode vir do nosso interior.
Então nos recusamos a regar.
Deixamos de perceber o nosso potencial.
Faça um exame a si mesmo!
Ache os seus defeitos!
Ache também as suas qualidades.


Lina Aires

Não Estragues o teu Dia!...






A tua irritação não solucionará problema algum.

As tuas contrariedades não alteram a natureza das coisas.

Os teus desapontamentos não fazem o trabalho que só o tempo conseguirá realizar.

O teu mau humor não modifica a vida.

A tua dor não impedirá que o sol brilhe amanhã sobre os bons e os maus.

A tua tristeza não iluminará os caminhos.

O teu desânimo não edificará ninguém.

As tuas lágrimas não substituem o suor que deverás verter em benefício da tua própria felicidade.

As tuas reclamações, ainda que justas, jamais acrescentarão nos outros uma só grama de simpatia por ti.

Não estragues o teu dia!... Aprende com os sábios, a desculpar infinitamente, construindo e reconstruindo sempre para o bem.

O Vazio Existencial e a Esperança


"O futuro da humanidade está nas mãos daqueles que souberem dar, às gerações de amanhã, razões de viver e de esperar (GS 31).
Introdução
Entre os objectivos dos nossos estudos, para estes dias, foi escolhido pela coordenação, ao lado da consideração geral sobre a Esperança, o seu relacionamento com os temas presentes na Constituição "Gaudium et Spes"do Concílio Vaticano II, tal como foram relembrados na alocução do Santo Padre João Paulo II na primeira reunião do Congresso comemorativo do Trigésimo aniversário daquela mesma Constituição. (cf.L'Osservatore Romano, ed.em português, 18 nov.1995).Nesta alocução o Santo Padre reconhece a não pequena alteração do cenário mundial, entre os anos decorridos da elaboração da GS até os dias de hoje. E pergunta, se após estas mudanças que nem sempre foram para o melhor, algo ainda permanece da perspectiva histórica adoptada pela GS Responde da seguinte maneira:·"Hoje relemos aquelas páginas num cenário mundial decisivamente mudado. Quantas transformações - políticas, sociais, culturais - sobrevieram a partir daquele 7 de Dezembro de 1965 ! Terminou a guerra fria, a ciência e a técnica realizaram progressos inauditos: dos voos no espaço à alunagem, dos transplantes cardíacos à engenharia genética, da cibernética à robotização, das telecomunicações às mais avançadas tecnologias telemáticas. Aos factores de mudança conexos com a urbanização e a industrialização, acrescentou-se o enorme incremento dos mass media, que influenciam cada vez mais a vida quotidiana dos homens, em todos os cantos da terra. Diante de tantos elementos de novidade a respeito da situação dos anos 60, poder-se-ia perguntar quanto permanece da perspectiva histórica adoptada pela GS. Na realidade, se se vai ao âmago dos problemas, permanece na sua incisividade e adquire actualidade até maior o interrogativo fundamental, que na época a Constituição apresentava: as transformações ocorridas na idade contemporânea são todas úteis para o verdadeiro bem da humanidade (GS 6)? Em particular, pode-se ter "uma ordem temporal mais perfeita, mas sem que a acompanhe um progresso espiritual proporcionado"(cf.GS,4)? É portanto legítimo, já no limiar do terceiro Milénio, voltar a reflectir sobre as análises e sobre as indicações oferecidas pela Gaudium et Spes, para verificar o seu valor e colher dela a sabedoria"
Igualmente significativo para nós é também o testemunho de um outro texto, de dez anos atrás, que se encontra na "Relatio finalis"do Sínodo extraordinário dos vinte anos após o Concílio Vaticano II. Ao se referir à missão da Igreja no mundo (D.l) faz explícita referência à Constituição GS, à sua importância e actualidade, mas não deixa também de se referir às muitas mudanças ocorridas no mundo, já naquele espaço de tempo de dez anos:"A Igreja como comunhão é sacramento para a salvação do mundo. Por isso, os poderes na Igreja foram conferidos por Cristo para a salvação do mundo. Neste contexto afirmamos a grande importância e a grande actualidade da Constituição pastoral "Gaudium et Spes". Ao mesmo tempo, porém, advertimos que os sinais do nosso tempo são em parte diversos daqueles do tempo do Concílio, com angústias e ansiedades maiores. Com efeito, aumentam hoje em toda a parte a fome, a opressão, a injustiça e a guerra, as torturas e o terrorismo e outras formas de violência de toda a espécie. Isto obriga a uma reflexão teológica nova e mais profunda, que interprete tais sinais à luz do Evangelho"
E para não deixar de oferecer ao menos alguns elementos para esta nova e mais profunda reflexão teológica, prossegue ainda o mesmo documento:
"Parece-nos que nas dificuldades actuais Deus quer ensinar-nos, de maneira mais profunda, o valor, a importância e a centralidade da Cruz de Jesus Cristo. Por isso, deve-se explicar, à luz do mistério pascal, a relação entre a história humana e a história da salvação. Sem dúvida, a Teologia da Cruz não exclui de modo algum a Teologia da Criação e da Encarnação, mas, como é óbvio, pressupõe-na. Quando nós cristãos falamos da Cruz, não merecemos o apelativo de pessimistas, pois nos baseamos no realismo da esperança cristã".
Compreendemos agora por que motivo o Santo Padre insiste em convidar toda a Igreja a uma nova leitura da Constituição "Gaudium et Spes", justamente agora, trinta anos depois, diante de um quadro de acontecimentos mundiais, pode-se dizer, cada vez mais pessimista.É que a Igreja, continuadora da missão do próprio Jesus Cristo, Filho de Deus e Salvador dos homens, não tendo em si mesma as respostas ou soluções para todos os problemas dos homens, continua, no entanto, sendo capaz de apresentar com verdade, pelos seus ensinamentos evangélicos, mas, ainda mais por sua vida, a mesma mensagem de vida e de esperança que brota da Boa Nova do Evangelho.Se os homens sempre estiveram necessitados desta mensagem de vida e de esperança, talvez, nunca como nos dias de hoje se encontraram tão ameaçados de desconhecerem ou mesmo, de esquecerem qual seja esta única vida verdadeira que anseiam por viver, e qual também a verdadeira esperança, aquela única que poderá liberta-los de tantas falsas esperanças, quer materiais quer espirituais, que através de capciosas ideologias poderão levá-los à escravidão aos poderes deste mundo ou ao desespero que já é a morte.
Segundo as belas palavras do Santo Padre João Paulo II, nenhum outro documento do Vaticano II e até mesmo de todo o magistério da Igreja até hoje, foi tão atento em descobrir, analisar e iluminar com a luz de Deus, os problemas concretos do homem, como a Constituição GS. E, por isso também, nenhum outro foi tão capaz de levar aos homens este realismo de uma esperança que se faz presente no meio das situações e condições mais estremas da vida humana. Diz o Santo Padre na alocução já mencionada (L'Oss.Rom.18.02.96).
"Como jovem bispo de Cracóvia, com efeito, fui membro da subcomissão encarregada de estudar os "sinais dos tempos" e, em Novembro de 1964, fui chamado a fazer parte da subcomissão central, encarregada de prover à redacção do texto. Precisamente o conhecimento íntimo da génesis da Gaudium et Spes consentiu-me apreciar a fundo o seu valor profético e assumir amplamente os seus conteúdos no meu magistério, desde a primeira Encíclica, a Redemptor Hominis. Nela, recolhendo a herança da Constituição conciliar, eu quis reafirmar que a natureza e o destino da humanidade e do mundo não podem ser definitivamente desvendados, senão na luz de Cristo crucificado e ressuscitado.É esta, em suma, a grande mensagem que a Gaudium et Spes enviou "a todos os homens"(GS,2), como anúncio de vida e de esperança. É a mensagem que faz da Constituição pastoral sobe a Igreja no mundo actual - último dos documentos promulgados pelo Concílio Vaticano II, e de todos o mais extenso - de algum modo o ápice do itinerário conciliar. Com este documento os Bispos do mundo inteiro, unidos em torno do Sucessor de Pedro, quiseram manifestar a solidariedade amorosa da Igreja para com os homens e as mulheres deste século, marcado por dois conflitos terríveis e atravessado por uma profunda crise dos valores espirituais e morais, herdados da tradição...Longe de se limitar a considerações históricas e sociológicas, os Padres conciliares enfrentaram amplamente, em visão teológica, os interrogativos fundamentais que desde sempre afligem o coração humano: "Que é o homem? Qual o sentido da dor, do mal, e da morte que, apesar do enorme progresso alcançado, continuam a existir? "(GS,10). É portanto legítimo, já no limiar do terceiro Milénio, voltar a reflectir sobre as análises e sobre as indicações oferecidas ".
Em vista deste insistente convite que nos faz o Santo Padre, pensamos que após a constatação dos muitos males que afligem os homens de hoje, tentando-os com a desesperança, pensamos ser oportuna uma reflexão nossa, para descobrirmos, como pessoas e como membros de uma comunidade monástica, que para nós também se torna urgente redescobrirmos os valores que são como o fundamento da nossa esperança, a esperança da Igreja de todos os tempos. Só assim poderemos, "estar sempre prontos a responder, com doçura e respeito, a todo aquele que perguntar, a razão da vossa esperança"(1Pd 3,15).
Primeira Parte: A base humana da esperança: o sentido da vida
I. A imprescindível busca de significado
O Santo Padre João Paulo II, ao se referir a alguns problemas actuais que afligem a pessoa humana bem como a sociedade, mencionava em primeiro lugar a crise de sentido ou significado da vida humana.O homem não pode deixar de se sentir envolvido na necessária busca de respostas para várias perguntas fundamentais que brotam naturalmente de sua própria razão: qual a nossa origem? Qual a finalidade da vida? Como explicar a presença do mal, do sofrimento e a inevitabilidade da morte? (cf. Alocução n.5 e GS 4, 10, 21, 41). E afirma com clareza a gravidade e intensidade deste problema ao manifestar a sua constância e universalidade: "em todos os tempo e lugares esses interrogativos interpelam o coração humano e impelem-no a buscar uma resposta plena e definitiva"
Hoje em dia, sem dúvida alguma, há milhões de homens que são tentados a perder a própria razão e esperança de viver por estarem privados das condições materiais mínimas de existência, pela fome, pela indigência imposta pelo condições injustas da vida social, pela falta de trabalho, de recursos indispensáveis da educação, da assistência médica e social etc.Mas, diante deste quadro, infelizmente hoje tão frequente, tanto em nações pobres como ricas, não se poderá deixar de reconhecer que ainda mais gravemente pesa sobre a pessoa humana, necessitada não apenas dos bens materiais, o fato de não estar conseguindo encontrar, frequentemente, as razões e o significado da própria existência. Pode-se verificar, e de fato, várias pesquisas têm-no comprovado, que mais angustiante para o homem moderno, especialmente para os jovens, é a crise provocada pela falta de sentido e de significado da vida, o sentimento de vazio, do que a carência ou dificuldades para a consecução de outros bens. O vazio existencial mostrou-se bastante evidente em um levantamento feito entre cem alunos de Harvard, todos eles provenientes de famílias abastadas; uma quarta parte desses alunos duvidava de que suas vidas tivessem algum sentido e as revistas psiquiátricas da Tchecoslováquia informaram que este mesmo fenómeno ocorria em todos os países comunistas [cf. Joseph B. Fabry, A busca do significado. Viktor Frankl - logoterapia e vida. Ed.ECE, São Paulo, 1984, p.53. Citamos alguns textos e recorremos, frequentemente, a esta obra para apresentar e sintetizar o pensamento de V.Frankl.].
Nesta linha de estudo são bem conhecidos hoje os trabalhos do psicanalista de Viena, Victor Frankl e os de sua escola. Para estes, "o homem é fundamentalmente um ser em busca de um significado. Se existe alguma coisa que o possa preservar, mesmo nas mais extremas situações, é a consciência de que a vida tem um sentido, não obstante nem sempre imediato" [cf. Joseph B.Fabry.o.c. p. 35-54.].Pode-se dizer por isto que a existência humana depende da auto transcendência, a sobrevivência depende de um sentido. E não apenas a sobrevivência dos indivíduos, mas a própria sobrevivência da humanidade.A profunda experiência de V.Frankl no campo de concentração de Auschwitz levou-o a ter como certo que cada pessoa é um ser único que pode reter uma última reserva de liberdade para tomar uma posição, ao menos, interior, mesmo sob as mais adversas circunstâncias. Nesta profunda dimensão do seu eu, nós sabemos que "não apenas somos, mas a cada momento devemos decidir o que seremos". "Quando somos despojados de tudo o que temos - família, amigos, influência, status e bens - ninguém nos pode tirar a liberdade de tomar a decisão do que nos devemos tornar, porque esta liberdade não é algo que possuímos, mas algo que somos. Por isso mesmo todo homem tem o poder e a liberdade de elevar-se acima do seu próprio eu e tornar-se um ser humano melhor.
É fundamental também para V.Frankl a certeza de ser a básica motivação para viver, não a busca de satisfações, poder ou riquezas materiais, mas o encontro de um significado. Aqueles podem apenas contribuir para o nosso bem estar, mas são simplesmente meios utilizados para atingir um fim, quando usados de forma significativa.
Será esta concepção sobre nós mesmos e sobre o lugar que ocupamos na vida que nos poderá ajudar a dar-lhe sentido, não obstante as tragédias pelas quais devamos passar. Essa concepção antropológica exige pois que estejamos convictos de que, além de nossas dimensões físicas e psicológicas, possuímos uma dimensão espiritual ou no ética, especificamente humana (espiritual, não no sentido religioso, mas no de vida mental ou intelectual que supõe um princípio de acção transcendente à materialidade do ser). O homem, na sua integralidade, compreende as três dimensões, mas é a dimensão propriamente humana que permitirá à pessoa transcender a si mesma e fazer dos significados e valores uma parte fundamental da sua existência. Neste sentido, cada pessoa é um ser único, vivendo através de infinitos momentos únicos e insubstituíveis, cada um deles oferecendo um significado em potencial (isto é, aberto também para o futuro). Se reconhecermos este potencial e formos capazes de corresponder a eles, nossa vida terá um sentido e a conduziremos de forma responsável.Para V.Frankl, unicamente quando nos elevamos à dimensão do espírito (mente) tornamo-nos um ser completo. A dimensão humana é a dimensão da liberdade: não a liberdade proveniente das condições, quer sejam elas biológicas, psicológicas ou sociológicas; nem a liberdade de alguma coisa, mas liberdade para alguma coisa, a liberdade de tomar uma atitude concernente às condições. E somente nos tornaremos seres humanos completos quando atingimos esta dimensão de liberdade. Somos prisioneiros da dimensão do corpo; somos conduzidos pela dimensão psíquico-afectiva, mas na dimensão do espírito somos livres. Nós não apenas existimos, mas podemos exercer influência sobre a nossa existência. Podemos não só decidir sobre que espécie de pessoas somos, mas que espécie de pessoa poderemos vir a ser. Dentro da dimensão na ética somos nós que fazemos a escolha.
Ignorar a dimensão espiritual é reducionismo, e aí está a origem do nosso mal-estar, da sensação de vazio e de que a vida está desprovida de significado. O perigo de semelhante reducionismo nunca foi tão grande como agora. Frankl não nega que as forças biológicas, sociais e psicológicas exerçam grande influência sobre nós; mas, como declarou, "o homem é determinado, porém jamais indeterminado". Sob as mais restritas circunstâncias, possuímos uma área na qual podemos determinar nossas acções, nossas experiências, ou no mínimo nossas atitudes, e esta liberdade de autodeterminação repousa em nosso domínio no ético.A liberdade oferece ao homem a oportunidade de mudar, de renunciar ao seu eu e inclusive de enfrentá-lo. Desta constatação pode-se tirar uma importante conclusão, de extensas consequências práticas que poderia ser formulada da seguinte maneira: "é fundamental admitir que, sob circunstâncias normais, o homem tem condições de resolver, por si mesmo, seus problemas de consciência e conflitos de valores e que a função da logoterapia consistirá simplesmente em ajudar o paciente a enxergá-los, reconhecendo não ser ele uma vítima indefesa da sua educação, do seu meio e dos seus impulsos interiores, mas que é capaz de resistir às suas influências como qualquer pessoa sadia o faz.Entretanto, deve-se reconhecer também ser possível, em casos concretos, que os conflitos de valores ou a "frustração existencial"possam subjugar o indivíduo e conduzi-lo até à neurose".
II. Qual o Sentido da Vida?
Antes de se reflectir sobre o próprio sentido da vida, parece ser oportuno enunciar três princípios que podem ser postos à prova e que são fundamentais para o esclarecimento do sentido.1. Sob quaisquer condições a vida tem um sentido.2. Temos o "anseio por um sentido"e tornamo-nos felizes somente quando sentimos que estamos realizando este sentido.3. Temos a liberdade, dentro de certas limitações óbvias, de realizar o sentido de nossas vidas.
O problema do sentido da vida, quer se apresente expressamente ou não, cumpre defini-lo como um problema caracteristicamente humano. Só ao homem, como tal, é dado – a ele exclusivamente – ter a vivência da sua existência como algo problemático; só ele é capaz de experimentar a problematicidade do seu ser.
A procura de sentido para o homem é uma força primária na sua vida e não uma "racionalização secundária" de tendências instintivas. Este sentido é único e específico nisto que deve e pode ser realizado por ele somente; somente então encontrará ele um significado que irá satisfazer a sua própria vontade de sentido. Para alguns autores, sentidos e valores nada mais são do que "mecanismos de defesa, reacções formativas e sublimações". Mas, de modo nenhum alguém estaria disposto a morrer por causa do seu "mecanismo de defesa" ou por suas "reactions formations". O homem, no entanto, é capaz de viver e até mesmo de morrer por causa de seus ideais e valores!Uma pesquisa de opinião pública foi efectuada, há alguns anos, na França. O resultado mostrou que 89% das pessoas consultadas admitiram que o homem necessita de "algo" pelo qual possa viver. Aproximadamente 61% admitiram que havia algo ou alguém, em suas vidas, por quem estariam dispostos a dar a vida. Frankl repetiu esta pesquisa em sua clínica em Viena, e o resultado foi praticamente o mesmo, com uma diferença de apenas 2%. Em outras palavras, a vontade por um sentido, na maioria das pessoas, é um fato e não apenas suposição.A Logoterapia é uma terapia existencial baseada em experiências reais. Ajuda-nos a observar a nós mesmos através de outra perspectiva, a conhecer tanto nossas limitações como nossos potenciais, nossos erros e visões, a perceber como encaramos as nossas experiências totais, como nos relacionamos com os demais, de que forma superamos nossos desapontamentos, como realizamos nossas aspirações e cumprimos nossas tarefas.·Esta percepção é baseada no conhecimento intuitivo de que a vida tem sentido, por mais obscuro que em certas ocasiões isto possa parecer. Cada um de nós é motivado por aquilo que Frankl chama "o anseio por um sentido". Ainda que esteja reprimido dentro de certos limites, somos livres para descobrir o significado de nossa própria existência. A fé no sentido, o anseio de sentido do homem e sua liberdade para encontrá-lo, são os princípios fundamentais da logoterapia. A maioria das pessoas não precisa ser persuadida de que o sentido existe e de que anseiam por ele. Somente é necessário torná-las conscientes do que, nas profundezas de seu inconsciente, sabem ser verdade.
A logoterapia abre as portas, mas cabe a nós escolher a porta pela qual desejamos passar em nossa busca. O ignorado e reprimido anseio por um sentido pode ser a causa da sensação de vazio, mas longe de constituir-se no sintoma de uma doença, é antes de tudo, uma prova de sua humanidade: unicamente o ser humano busca sentido, duvida e se sente frustrado quando não pode encontrá-lo. Resignar-se ao vazio e à frustração apenas irá agravar esses estados. A logoterapia vê o sentido em dois níveis.·Primeiro, como sentido último da existência, uma ordem universal onde cada um de nós tem um lugar. Esta ordem pode ser percebida tanto do ponto de vista religioso como secular, dependendo de nossa visão do mundo. A busca de sentido suscita a pergunta: "Que lugar ocupo na totalidade da existência? " Mas a busca de sentido é também a busca da própria identidade, de um propósito, um destino, uma missão e, por isso mesmo, propõe as seguintes perguntas complementares: "Quem sou eu? "Quais os meus objectivos?" "Para onde estou indo? ""O que devo fazer? "A existência do sentido último é algo que não se pode provar, excepto na experiência de vida que não se repete. Uma pessoa pode viver como se existissem o sentido, a ordem, o propósito, o destino e a missão, ou pode viver como se tudo fosse arbitrário e ver quais as alternativas mais satisfatórias. Mas o sentido da existência tampouco se pode demonstrar em virtude de um esforço constante em alcançá-lo e retê-lo, o que seria tão impossível como alcançar e reter o horizonte. A prova reside na satisfação que acompanha a busca. Este sentido de vida é também chamado supra-sentido.
A convicção de que existe algo superior à existência humana foi expressa de diversas formas, desde a observação de Nietzsche de que o homem deve superar-se à si mesmo e esforçar-se para chegar ao super-homem, até à insistência de Tillich e Barth de que o homem não é a base do seu ser.Frankl convenceu-se, através de suas experiências clínicas, de que a existência humana está sempre direccionada para um sentido, não importa quão diminuta seja sua consciência deste sentido. Em um de seus ensaios Frankl escreveu: "Existe algo como o pressentimento de um significado, e esta preconização é também o fundamento do que a logoterapia chama de "anseio por um sentido". Quer desejemos ou não, acreditamos neste sentido enquanto houver um sopro de ar dentro de nós. As observações de Frankl foram comprovadas por Elisabeth Kübler-Ross de que os agnósticos, em seu leito de morte, manifestaram uma serenidade e tranquilidade estranha que não se podia explicar em função de suas crenças agnósticas, mas se podia atribuir à sua confiança em um sentido maior - uma confiança que ultrapassava o marco da racionalização de seu ateísmo [cf.o.c.p.59].
Qualquer tentativa para se infundir uma força interior, em alguém que perde a esperança, deverá anteriormente conseguir que ele aceite algum futuro objectivo. Apropriada é a sentença de Nietzsche que dizia: "Aquele que possui um "porque" pelo qual viver, poderá suportar qualquer "como" deve viver". Que conselho se poderia dar a um homem desesperado que, a toda tentativa de encorajamento responde simplesmente: "eu nada mais tenho para esperar algo da vida"? O que se torna necessário é uma fundamental mudança em nossa atitude em relação à vida. Deveremos aprender, primeiramente nós mesmos, para que possamos ensinar aos desesperados que "realmente não importa tanto o que nós esperemos da vida, mas sim, o que a vida mesma espera de nós"! Devemos parar de nos perguntar continuamente: "qual o significado da vida?" – e em lugar disto começarmos realmente a pensar que "somos pessoas a quem a vida interroga contínua e incessantemente" [cf. com muita semelhança diz também Abraham J.Heschel: "A Bíblia é uma resposta à pergunta: "o que Deus espera do homem? Mas, para o homem moderno, esta pergunta foi anulada por uma outra: "O que o homem exige de Deus"? O homem continua a se perguntar: "o que poderei conseguir da minha vida? Mas, o que escapa à sua atenção é a pergunta fundamental, no entanto, tão esquecida: O que a vida conseguirá de mim? Absorvidos na luta pela emancipação do indivíduo, concentramos nossa atenção na idéia dos direitos humanos, mas nos esquecemos de considerar a importância das obrigações do homem". The insecurity of freedom,Schocken Books, New York 1972, p.4; cf.Who is Man? Stanford University Press, Stadford, 1965, p.70. 109-110,etc.].A nossa resposta não deverá consistir em palavras e reflexões, mas em correcta acção e correcta conduta. Viver significa assumir responsabilidades em encontrar a resposta certa para os seus problemas e realizar as tarefas que constantemente nos são pedidas. Tais tarefas e, portanto, o significado da vida de cada indivíduo será diferente de um para o outro e de momento a momento. Torna-se assim impossível definir o sentido da vida, de uma maneira geral.
O segundo nível, o sentido do momento, é o reconhecimento de que existem sentidos que podem e necessariamente devem ser descobertos, se se deseja preencher o vazio existencial. Assim como é impossível para nós descobrir a verdade em si, e somente somos capazes de descobrir uma multiplicidade de conceitos verdadeiros, também não podemos descobrir o sentido, senão somente uma multiplicidade de experiências significativas.A logoterapia postula uma concepção audaz: cada pessoa é um indivíduo único e singular que atravessa uma série de situações, únicas, que oferecem em cada caso um sentido específico potencial que deve ser reconhecido e realizado. Responder à oferta de sentido que cada um destes momentos nos apresenta é levar uma vida expressiva. Frankl previne que não podemos inventar significados arbitrariamente; podemos apenas descobrir o sentido inerente a cada situação. Frequentemente vemo-nos obrigados a basear nossas decisões numa informação insuficiente, e não poderemos esperar conhecer todos os fatos que configuram uma situação. Deveremos confiar não só no nosso conhecimento consciente e em nossa intuição inconsciente, mas também na voz de nossa consciência, por mais frágil e falível que esta possa ser. Assim como a vida de cada pessoa é inteiramente diferente da vida de outra pessoa, assim também, nossas tarefas, nossos objectivos são inteiramente pessoais. Nenhuma situação se repete e pode-se dizer que cada situação nos pede uma resposta única e diferente de qualquer outra [cf.B. Fabri, o.c.p.17]. Sentido e Valor "Se os homens nem sempre podem conseguir que a história tenha sentido, sempre podem atuar de tal forma que suas próprias vida o tenham" (Albert Camus). A palavra sentida refere-se "àquilo que é significativo" para o indivíduo em cada situação particular da sua vida. O sentido é único e pessoal, como também a busca de sentido. Porém as situações humanas se repetem, e um grande número de indivíduos responde a elas da mesma maneira. Em muitas das situações típicas da vida, portanto, os sentidos únicos válidos por um longo período de tempo para muitos indivíduos foram suficientemente similares para que se criassem sentidos universais. De acordo com a definição de Frankl, são estes sentidos universais que conhecemos com o nome de "valores" [cf. id. o.c.p. 79. Note-se porém que a definição de "valor"dada por Frankl, é apenas descritiva, na medida em que se refere ao comportamento de muitas pessoas em relação a determinado sentido, no decurso de longo período de tempo. Em um aspecto mais objectivo, pode-se dizer que "valor" designa um determinado "bem", isto é um determinado objecto da nossa vontade, capaz de garantir (justificar) a rectidão moral da nossa acção, sempre que orientada para a sua busca]. Pode acontecer que o sentido único de uma situação não tenha sido captado a tempo e perdeu-se irrevogavelmente. No entanto, em cada caso este sentido poderia ter sido descoberto com a ajuda de alguns dos valores.
Compreende-se a grande importância prática desta doutrina, fonte de verdadeiras e eficientes técnicas terapêuticas, para todos os que exercem funções relacionadas com a educação, aconselhamento espiritual, terapia médica ou psicológica.

O Significado da maçã como reflexo das tendências humanas


O que é que este título nos pode sugerir à primeira vista? Nada, absolutamente nada. Parece apenas uma simples parvoíce, algo completamente desprovido de nexo. Afinal, o que é que um simples fruto como a maçã pode ter a ver com as tendências que caracterizam a humanidade? Proponho-me mostrar que, embora parecendo um tema à partida sem interesse, a maçã pode de facto ser perspectivada como o reflexo das posições que o ser humano foi adoptando face à vida. Esta longa história começa no Antigo Testamento, mais propriamente no Livro do Génesis, aquando do aparecimento de Adão e Eva no jardim do Éden. De facto, segundo a tradição, o fruto da árvore da sabedoria, comido pelos nossos pais sem autorização de Deus, por indução da serpente, e que levou à expulsão de ambos do Paraíso, era uma maçã. A maçã representava, neste caso, a ânsia de sabedoria, ou melhor, a ambição de querer saber mais e mais, de modo a poder igualar-se a Deus. A ambição, a ganância e a vontade de ser superior prevaleceu e verifica-se ainda hoje, atingindo níveis imperdoáveis de egoísmo e de individualismo. Em suma, pode interpretar-se esta passagem bíblica como a necessidade de temperar com a humildade a legítima ambição de saber.
Avançando na História, é de referir a maçã de William Tell, o lutador da liberdade. Neste caso, o fruto simboliza o imperativo da conquista da liberdade e, ao mesmo tempo, a tragédia de falhar. Este contraste tem marcado a marcha da humanidade e um dos maiores medos do homem é, indubitavelmente, o de errar. Treme só de pensar que as coisas podem não acontecer do modo como ele as projectou; daí que o existencialista Kierkegaard defenda que o que caracteriza a existência humana é a angústia e o desespero: o homem tem de optar, mas diante das imensas possibilidades tanto de acertar como de errar não sabe por onde decidir-se. O homem é, na maior parte das vezes, obcecado pela perfeição, pela acção imaculada, sem rasuras, sem repreensões. Este rigor pode ser entendido, tal como o desejo de superioridade, já referido, como um modo de afirmação do homem perante a sociedade em que está inserido, sendo até imposto, cada vez mais, por ela própria, correndo, o homem, em alguns casos, o risco de ser posto de lado se não corresponder ao protótipo de perfeição proposto. A liberdade e a perfeição são as grandes aspirações humanas que, porque grandes, comportam riscos. Will Tell sentiu isso mesmo quando para conquistar a vida e a liberdade teve de apontar a flecha à maçã colocada na cabeça do seu filho.
Nesta história, não podia ainda deixar de falar de Newton que ao formular a lei da gravidade, supostamente devido à queda de uma maçã, quando se encontrava a observar a Lua, contribuiu largamente para a construção da ciência experimental. A curiosidade e a necessidade de pesquisa reveladas por Newton são também tendências do homem em ordem a compreender o que o rodeia, encontrar o equilíbrio e vencer os seus medos mais profundos do desconhecido. A ciência, como a filosofia ou o mito, é uma forma de o homem fazer frente ao medo do que não compreende: ao explicar as coisas, julga controlá-las e colocá-las a seu favor, encontrando, deste modo, segurança na insegurança.
Finalmente, a maçã está também presente em Charles Fourier, filósofo francês do socialismo utópico. Este pensador, que formulou uma das filosofias mais criativas do século XIX, foi um acérrimo crítico das desigualdades sociais e teve sempre como meta a busca da harmonia na justiça. Vivendo no mundo do comércio e apercebendo-se das suas mentiras, jurou-lhe ódio eterno. Terá sido a grande diferença de preços da maçã, em regiões de França com condições climatérica idênticas, que o levou a desconfiar de uma desordem fundamental no mecanismo industrial e a buscar uma nova teoria societária. A maçã surge aqui como o símbolo da procura da justiça e da igualdade entre os seres humanos.
Em conclusão, a procura do saber, a ânsia de liberdade, a necessidade de explicar e compreender e o desejo de uma justiça em harmonia são os grandes sonhos da humanidade. Paradoxalmente, ou talvez não, continuam a imperar a arrogância, a prepotência, o poder da força bruta, no fundo frutos de medos e de inseguranças nunca devidamente assumidos. E a maçã, esse fruto suculento e saboroso mas ao mesmo tempo ácido e frágil, esteve sempre presente em momentos fundamentais da procura e da ruptura dos grandes sonhos.
Lina Aires

O Mundo do Ontem... e do amanhã!...



O Mundo do Ontem … e do amanhã !...

Antigamente, era tudo mais fácil. O saber era linear e uniforme. Vinha tradicionalmente de pais para filhos, de professores para os alunos, de cima para baixo. O poder era único e bem localizado, quem mandava era o mais velho ou teoricamente mais culto. Grandes narrativas davam rumo a coisas: a religião católica, a família nuclear, o casamento indissolúvel, a luta contra o autoritarismo salazarista. No campo dos valores, predominavam a certeza e a ordem, quem fosse «diferente» era facilmente marginalizado, porque era tudo uno e rectilíneo. Na escola havia disciplina, mas era branda e folgazona, género vamos lá gozar um pouco com o desastrado professor de Português (que por sinal, já tinha sido padre e era o Director), que obrigava muitos a decorarem a estrofe do 1º canto de «Os Lusíadas» corresponde ao nosso número de ordem… Nos liceus predominavam os meninos de família ou estudantes da classe média, todos brancos de pele e vestidos de modo aprumado. Determinados assuntos eram considerados tabus, só se falavam às escondidas. A escola garantia emprego e mobilidade social, porque quem andasse no liceu e tivesse dinheiro ia para a Faculdade, quem frequentasse o ensino arranjava emprego. Na família, os filhos não contestavam em regra os pais, detentores da verdade e da experiência da vida; quando havia problemas que a mãe não conseguia resolver sozinha, o pai entrava em acção, às vezes com aqueles castigos que rapidamente matinha a ordem.
Hoje, está tudo diferente. Os jovens são influenciados por espaços narrativos fluidos, caiu o muro de Berlim e proliferam as seitas religiosas, o 25 de Abril aconteceu ainda eles não eram sonhados. Na escola, onde antes existiam pastas de cabedal com cadernos arrumados, existem hoje mochilas coloridas com tudo a monte ou, mais tarde, restos de canetas roídas e folhas de papel arrancadas ao caderno do vizinho. Não há poderes absolutos. Por que razão está certa a ordem do professor e do pai, só por serem mais velhos? Também os valores não são os tradicionais (a ordem rígida não será certamente), constroem-se no relacionamento partilhado com o grupo de amigos e com os adultos do universo relacional. A cultura não é indivisível. Quim Barreiros é aplaudido com os Madredeus ou a Maria João Pires, usam-se palavras eruditas ao lado de obscenidades, como convém a alguns semanários. As novas tecnologias mediatizadas determinam novos saberes e capacidades, com os acontecimentos a aparecerem das mais diversas formas e em contextos cada vez mais diversos.
Que geração teremos no amanhã?
Os valores que durante tantos anos perduraram de geração em geração, onde foram parar?
Tudo é questionável pelos nossos jovens! Acreditando que nem 8 nem 80, há necessidade de se fazer o ponto de situação. De criar padrões de vida coerentes e aceitáveis, isto não invalida o respeito mútuo que deveria continuar a existir entre os jovens e por aqueles com quem partilham a sua vida pessoal e social.
Presentemente, só se fala de reestruturação em tudo o que é sítio, e esquece-se da formação pessoal e social dos nossos jovens, homens do amanhã… há que incutir nos nossos jovens de hoje valores, regras que lhes permitam construir uma base sólida e consequentemente consigam ter um crescimento harmonioso num ambiente saudável.

Lina Aires