20 março, 2009

VIDA DE SÃO PAULO


Paulo nasceu entre o ano 5 e 10 da era cristã, em Tarso, capital da Cilícia, na Ásia Menor, cidade aberta às influências culturais e às trocas comerciais entre o Oriente e o Ocidente. Descende de uma família de judeus da diáspora, pertencente à tribo de Benjamim, que observava rigorosamente a religião dos seus pais, sem recusar os contactos com a vida e a cultura do Império Romano.
Os pais deram-lhe o nome de Saul (nome do primeiro rei dos judeus) e o apelido Paulo. O nome Saul passou para Saulo porque assim era este nome em grego. Mais tarde, a partir da sua primeira viagem missionária no mundo greco-romano, Paulo usa exclusivamente o sobrenome latino Paulus.
Recebeu a sua primeira educação religiosa em Tarso tendo por base o Pentateuco e a lei de Moisés. A partir do ano 25 d.C. vai para Jerusalém onde frequenta as aulas de Gamaliel, mestre de grande prestígio, aprofundando com ele o conhecimento do Pentateuco escrito e oral.
Aprende a falar e a escrever aramaico, hebraico, grego e latim. Pode falar publicamente em grego ao tribuno romano, em hebraico à multidão em Jerusalém (Act 21,37.40) e catequizar hebreus, gregos e romanos.
Paulo é chamado “o Apóstolo” por ter sido o maior anunciador do cristianismo depois de Cristo. Entre as grandes figuras do cristianismo nascente, a seguir a Cristo, Paulo é de facto a personalidade mais importante que conhecemos. É uma das pessoas mais interessantes e modernas de toda a literatura grega, e a sua Carta aos Coríntios é das obras mais significativas da humanidade.
Escreveu 13 cartas às igrejas por ele fundadas: cartas grandes: duas aos tessalonicenses; duas aos coríntios; aos gálatas; aos romanos. Da prisão: aos filipenses; bilhete a Filémon; aos colossenses; aos efésios. Pastorais: duas a Timóteo e uma a Tito.
Quando estava preso em Cesareia, Paulo apela para César e o governador Festo envia-o para Roma, aonde chegou na Primavera do ano 61. Viveu dois anos em Roma em prisão domiciliária. Sofreu o martírio no ano 67, no final do reinado de Nero, na Via Ostiense, a 5 quilómetros dos muros de Roma.
A CONVERSÃO
Ainda adolescente, sem idade para poder apedrejar, assistiu ao martírio do diácono Estêvão, o primeiro mártir da Igreja. (Act 8,1).
Paulo, hebreu convicto, perseguia os cristãos porque os considerava como hereges, como uma seita contrária à verdadeira fé, que ameaçava a autoridade religiosa do judaísmo.
No ano 35, quando Saulo tinha cerca de 30 anos, na sua luta contra os cristãos chefia um grupo que vai galopando para Damasco, com autorização dos sumos sacerdotes, para eliminar um grupo de cristãos e levar os seus chefes algemados para Jerusalém.
Paulo diz que no caminho, já próximo de Damasco, se viu subitamente envolvido por uma intensa luz vinda do Céu e lhe apareceu Cristo Ressuscitado, que lhe disse: «Saulo, Saulo, porque Me persegues?» Saulo perguntou: «Quem és Tu, Senhor?» A voz respondeu: «Eu sou Jesus a quem tu persegues. Agora levanta-te, entra na cidade e e aí te dirão o que deves fazer» (Act 9,1-7). Perseguindo os membros da Igreja, Paulo estava a perseguir Cristo que é a sua Cabeça.
Após o diálogo com Cristo Ressuscitado, Paulo, de perseguidor dos cristãos torna-se um homem novo, o mais ardente missionário do Evangelho, que irá dedicar o resto da sua vida a Cristo, numa contínua identificação com Ele ao ponto de poder dizer: «Para mim viver é Cristo» (Fl 1-21); «Já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim.» (Gl 2,20)
Desde aquele momento começa para Paulo uma nova etapa da vida, uma grande aventura que o levará por montes, desertos, mares, aldeias e cidades do Mediterrâneo Oriental, e que terminará em Roma com o martírio.
CHAMADO POR DEUS
Ananias, sacerdote hebreu-cristão, faz a iniciação cristã de Paulo e administra-lhe o Baptismo (Act 9,18). Jesus, falando de Paulo, disse a Ananias: «Esse homem é um instrumento que escolhi para anunciar o meu Nome aos pagãos, os reis e ao povo de Israel. Eu vou mostrar a Saulo quanto ele deve sofrer por causa do meu Nome.» (Act 9,15-17)
Paulo, sempre atento à voz de Deus, é conquistado por Cristo. Reconhece que está no caminho errado e decide pronta e corajosamente mudar de rumo.
Depois de catequizado por Ananias, Paulo fez algumas tentativas missionárias entre os judeus que viviam em Damasco, mas passado pouco tempo teve de fugir e retirar-se durante algum tempo para o deserto da Arábia, situado entre o rio Jordão e o Eufrates. Paulo terá dedicado este tempo à sua formação, a interpretar em sentido cristão a leitura rabínica da Bíblia e as tradições religiosas de Israel.
Depois encontramo-lo novamente em Damasco «durante muitos dias» (Act 9,23) a pregar aos hebreus; mas as hostilidades, que vão aumentando contra ele, obrigam-no a fugir de noite, às escondidas.
Paulo decide então ir a Jerusalém para se encontrar com Pedro (Gl 1,19) e segundo esta mesma carta este primeiro tempo de actividade cristã de Paulo durará 3 anos, ou seja, até ao ano 38 d. C.
Em Jerusalém, não obstante a amizade de Pedro e de Barnabé, Paulo sofre a contínua hostilidade dos hebreus gregos e é aconselhado a regressar a Tarso, sua cidade natal (Act 9,29s; Gl 1,21). Uma apari- ção de Jesus no Templo de Jerusalém fez-lhe compreender claramente, naqueles dias, que deveria ser o Apóstolo das gentes. (cf. Act 22,17s)
No Concílio de Jerusalém recebe a missão de anunciar Jesus Cristo ao mundo pagão, a todos os povos (cf. Gl 2,7-9). É a esta missão que ele vai dedicar toda a sua vida, animado por um apaixonado amor a Cristo. Vai anunciar o Evangelho nas grandes cidades do Mediterrâneo, e fundar Igrejas, comunidades de homens e mulheres, livres ou escravos, judeus, gregos ou gentios que crêem em Cristo, que O amam e observam os seus mandamentos. A sua missão não é fácil. O seu passado de perseguidor da Igreja não lhe permite eliminar todas as suspeitas sobre a sua sinceridade e idoneidade. A sua vontade de procurar sempre o essencial da fé, choca com aqueles que querem misturar todas as religiões e criar novas exigências da Lei.
Perseguido pelos seus antigos colegas, tem de fugir para o deserto da Arábia para se encontrar com Deus e amadurecer a sua vocação.
O PENTATEUCO - LEI DE DEUS
Para todo o israelita e para Paulo, a Lei era Luz, sabedoria, justificação e salvação, o seu orgulho e sustentáculo. Para Paulo a Lei foi apenas um mestre que formava e educava com os seus preceitos. Inicialmente esculpida por Moisés em pedras, era exterior ao homem, que depois a interiorizava através do estudo e observância rigorosa.
Na Nova Aliança estabelecida por Cristo, com a sua morte e ressurreição, é o próprio Deus que infunde uma «lei nova» no coração do homem, dando-lhe o seu Espírito. (Jr 31-33; Ez 36,26)
A Lei Nova, que substitui a Lei Antiga, é um dom de Deus que o homem deve acolher através da fé. É a acção de Deus no homem que O acolhe e a Ele se abre.
A SALVAÇÃO VEM DE DEUS
Anuncia Jesus Cristo, partindo de Abraão, e mostra os desígnios de Deus através de Moisés e dos Profetas. Parte da contemplação das maravilhas do cosmo para chegar a Deus, seu princípio e inteligência ordenadora.
Paulo afirma que a salvação não é conquistada pelo esforço e empenho do homem, mas é dom gratuito de Deus. O Espírito de Deus e de Cristo é que se apodera do homem e se torna o seu guia interior e inspirador, no caminho indicado por Jesus. No concílio dos Apóstolos, em Jerusalém, reconhece-se que a salvação só vem de Jesus e do seu Espírito, e que não é necessário impor aos convertidos do paganismo a circuncisão e a observância de outras práticas hebraicas da lei de Moisés. (Gl 2,7-9)
Para Paulo a salvação vem de Deus, através de Jesus Cristo, e não através da lei de Moisés.



JESUS CRISTO PARA PAULO
Para Paulo Jesus Cristo veio ocupar o lugar que o Pentateuco (Lei) ocupava na sua mente e coração dos judeus. A Lei Nova substitui a Lei Antiga.
Jesus é para ele o fim da Lei, é a Nova Aliança, a nova criação, é o único mediador da justificação e salvação do homem.
Em 2Cor 5,18-19, Paulo escreve: «Tudo isto vem de Deus, que nos reconciliou consigo por meio de Cristo e nos confiou o ministério da reconciliação.»
Em Rm 1,4 Paulo afirma: «A promessa a Abraão concretizou-se em Cristo, constituído Filho de Deus com o poder do Espírito de santificação, através da ressurreição dos mortos». Jesus Cristo é a sua vida, a sua esperança, o seu apoio, o seu modelo de vida, o seu Senhor e meta. (cf. Gl 2, 19-20)
Jesus Cristo é o seu ponto de referência; é com Ele que relaciona todo o seu ser.
Tudo sacrificou por Cristo. Para ele o viver é imitar Cristo, cristificar-se, anunciá-l’O e servi-l’O. Em Ef 1,10 Paulo escreve: «Deus estabeleceu reunir todas as coisas em Cristo, uni-las a Ele como Cabeça da qual recebem orientação e força».
Jesus Cristo aparece como a razão profunda da história e do futuro do homem: «Cristo, a glória esperada, está em vós.» (Cl 1,27)
Jesus Cristo é o fundamento em que se apoia, é o sangue que o faz viver, o modelo que ele procura imitar, é a meta que procura alcançar.
Jesus faz nascer nele o ser novo, a «nova criatura» e o «homem interior». (2Cor 4,16)
O CENTRO DE PREGAÇÃO DE PAULO
Jesus Cristo estava sempre diante dos seus olhos e no seu coração. Aplica a Jesus Cristo tudo o que São João, no início do seu Evangelho, aplica ao Logos. Transfere para Cristo todas as qualificações fundamentais do Pentateuco. Assim, para Paulo, Jesus Cristo é vida, luz, sabedoria, salvação, norma de vida, água viva, fonte de graça e de justificação, Criador do Universo, Filho de Deus, que encarnou por obra do Espírito Santo.
Passou a ter com Cristo a relação que tinha com o Pentateuco.
O credo de Paulo é estar com Cristo, viver com Cristo, entrar em comunhão com Cristo, participar no mistério da sua morte e ressurreição, receber o Espírito Santo, conformar-se a Jesus (cristificar-se), unir-se a Jesus e seguir os seus passos até ao ponto de dar a vida, crer na sua Ressurreição.
Nas suas cartas, Paulo afirma que Jesus Cristo está vivo e reconcilia os homens através do Espírito Santo. Cristo traz a salvação ao mundo. A reconciliação dos homens com Deus e entre si é possível e já começou. É através da Igreja que se realiza esta reconciliação.

02 março, 2009

MENSAGEM PARA A QUARESMA DOS BISPOS DE VILA REAL






Viver a Quaresma com S. Paulo
Estimados diocesanos:
1 - Sentimos alguma inibição em redigir esta mensagem quaresmal, tantas são já as dificuldades das pessoas e das famílias. Mas, na história da salvação, essas dificuldades são um apelo a uma reflexão pessoal e colectiva e a Quaresma é o tempo propício para isso. Aliás, essas dificuldades frequentemente nasceram da ausência de espírito quaresmal das pessoas e das instituições.
O objectivo geral da Quaresma é ensinar-nos a colocar a Páscoa no centro da nossa vida, da vida da Igreja, de todos os Domingos e dos sacramentos.
Neste ano S. Paulo será nosso guia.
É sabido que Saulo se converteu por uma aparição de Jesus Ressuscitado que, de repente, lhe fez compreender o seu mistério da sua morte, e Paulo fez desse mistério o centro da sua vida pessoal e das suas comunidades, proclamando que «nada mais sabe a não ser Jesus Cristo e Cristo crucificado», que «traz no seu corpo as chagas de Jesus», que «é nas fraquezas que se manifesta o poder da graça».
Nas suas cartas Paulo fala da morte e ressurreição como inseparáveis, e aí vai buscar a alegria do Baptismo, a força do Espírito Santo (Crisma), o segredo da «fracção do pão» (Eucaristia), o perdão dos pecados (Reconciliação), o conforto dos Doentes, o ministério dos pastores da Igreja (Ordem), a beleza do Matrimónio, a base da Virgindade consagrada e do Celibato, a esperança dos Defuntos, o sentido da colecta em favor dos pobres, a coragem no dia-a-dia, a dignidade do corpo, da sexualidade e do matrimónio, a maldade da escravidão, e aí encontrará força para aceitar contrariedades, riscos e fracassos, sentir a paz na doença, nas prisões e no martírio.
2 - A tentação de separar a morte da ressurreição já existia no tempo de S. Paulo.
Eram os «inimigos da cruz de Cristo» (Filip. 3,18), que sonhavam com uma religião fácil e harmonizada com a sabedoria do mundo, que podemos chamar uma Páscoa sem Quaresma. Sem uma Quaresma de conversão, a Páscoa reduzir-se-ia a uma vulgar festa religiosa e social e o cristão a um homem de romarias, sem oração nem sacramentos, com uma vida de casado sem humildade nem perdão, e uma educação dos filhos sem exigências, a fazer uma catequese sem missa.
Para a educação da centralidade da integridade do mistério pascal aconselha-se a colocar em relevo, durante a Quaresma, o Crucifixo pascal, nas igrejas e nas casas de família, nas escolas e nos lares de idosos, e a venerar os cruzeiros dos largos públicos. As mães e educadores estejam atentas aos gestos, desenhos e sentimentos das crianças e ensinem-nas a fazer com afecto o sinal da cruz como sinal de Jesus morto e ressuscitado, retirando-lhes o medo inicial que possam sentir. Também o adorno discreto do corpo com uma cruz pode ser educativo.
3 - Um exercício fundamental na Quaresma é ouvir a Palavra de Deus e, a partir dela, rever a vida pessoal e colectiva e descobrir o sentido dos acontecimentos do mundo, tornando-os redentores.
Perceberemos que só Deus é o Criador e Senhor da vida e que, fora dos seus caminhos, será em vão que se constrói a cidade ainda que usem processos chamados democráticos. Descobriremos a realidade do que se dizia ter desaparecido há muito - o pecado. O pecado não é um fantasma ao lado da vida, mas são os próprios actos humanos e sociais que se apresentam disfarçados com os nomes civis de crises sociais, liberdades, autonomia pessoal e relativismo. A palavra de Deus descobre-lhes o rosto e chama-lhes «pecado», «estruturas de pecado» a pedirem mudança de vida. Para despertar a atenção, convém colocar de modo visível, no interior da igreja e em casa, uma Bíblia, e ler os textos paulinos fundamentais.
A seguir, rezar mais e melhor, sozinho e em grupo, em família e na igreja, pedindo perdão pelo mal que se fez e pelo bem que se omitiu, luz para ver o caminho a percorrer e coragem para agir. Da oração quaresmal farão parte a Missa, a Reconciliação e a Via-Sacra.
4 - Outro exercício da Quaresma é a partilha de alguns bens com aqueles que têm menos que nós, como vem no Evangelho e na acção de S. Paulo. O jejum cristão não é dieta de elegância e moda, de estética e desporto, de terapia ou convalescença, e muito menos desprezo pelo corpo ou sinal de tristeza, mas um gesto de amor às pessoas e comunidades cristãs, retirando algo da nossa boca para as ajudar. O jejum cristão é o que Jesus dizia dever ser acompanhado de «perfume no rosto», a alegria espiritual. O jejum quaresmal ensinar-nos-á também a pôr ordem na vida pessoal, a evitar uma certa «vadiagem» de comportamento, a ser senhores da nossa vontade, a disciplinar o tempo, a saber viver na pobreza e na abundância, a dispensar televisão e bailes e a Internet, dizendo como Paulo, «disciplino o meu corpo e mantenho-o na obediência», «completo na minha carne o que falta à Paixão de Cristo em favor do seu corpo que é a Igreja». Os párocos organizarão a colecta oficial e a recolha da renúncia quaresmal num Domingo da Quaresma, cujo produto será entregue, em partes iguais, às duas obras diocesanas, ao «Projecto Homem» e à associação diocesana «Via Nova», dedicadas respectivamente, ao serviço de recuperação de jovens toxicodependentes e à formação de adolescentes em risco. Com S. Paulo, desejamos que esta Quaresma proporcione uma maior intimidade com Jesus morto e ressuscitado, e assim nos prepare para celebrar com alegria a Páscoa do Senhor. Com dedicação e estima pessoal,

Bispo de Vila Real, Joaquim Gonçalves,
Bispo Coadjutor, Amândio José Tomás.